FUTEBOL E FILOSOFIA
Sempre que professo o meu apreço pelo futebol, há dois tipos de pessoas (com honrosas exceções) que me olham como se eu fosse uma besta nada bestial. O que está implícito é: "Como um ser inteligente e culto pode perder tempo com uma atividade tão reles?" Quem são estas pessoas tão seletas? As mulheres e os intelectuais. É verdade que, nas ocasiões de Copas do Mundo (Mundiais), o ex-sexo frágil (atual sexo inexpugnável) adere ao futebol com o fervor de um hooligan. Suponho que seja por causa da empatia nacional que o torneio desperta. Aliás, este patriotismo/nacionalismo é um dos aspectos mais perturbantes da modalidade, precisamente porque um dos mais viscerais, ambíguos e irracionais. E se há um item que ínumeros intelectuais receiam - com razão! - é a irracionalidade. Mas não adianta fingir que ela não existe e, até, que exclua ingredientes apetitosos (a emoção é racional? o amor?). Basta repararmos nas letras dos hinos nacionais, com os jogadores marcialmente perfilados no campo, para percebermos onde mora o perigo. O hino da França fala em armas ("Aux armes, citoyens / Formez vos bataillons"). O de Portugal fala em armas ("Às armas, às armas! / Sobre a terra, sobre o mar, / Às armas, às armas! / Pela Pátria lutar / Contra os canhões marchar, marchar!). O da Itália fala em morte ("Siam pronti alla morte / L'Italia chiamò"). O do Brasil, idem.
Quanto aos intelectuais, uma vez um deles troçou: "Fiz um transplante de cérebro. Consegui o cérebro de um jornalista desportivo. Assim tenho a certeza de que nunca foi usado". Ora, um sketch impagável do grupo Monty Python apresentava um jogo de futebol entre Alemanha e Grécia, cujos jogadores eram todos filósofos proeminentes. A sempre formidável Alemanha (robôs cruéis, com um estilo mecanizado que no fim triunfa) tinha como capitão o sintético Hegel, e uma tríade atacante de respeito: Nietzsche, Heidegger e Wittgenstein. Já os Gregos, capitaneados por Sócrates, entravam em campo com um indiscutível dream team: Platão na baliza, Aristóteles como central e o matemático Arquimedes no meio do campo.
Depois de um tempão de um jogo chato em que nada acontece (como uma partida entre Grécia e Alemanha na vida real), Sócrates marca um golo de cabeça e os Gregos vencem. Arquimedes grita Eureka! Hegel jura para o árbitro (Confúcio) que Sócrates usou a mão, Marx alega que o ateniense fora comprado pela classe dominante e Kant se conforma com aquele imperativo categórico.
Bom, acaba de sair no mundo anglo-saxónico o livro "Soccer and Philosophy" (editado por Ted Richards, Open Court, 408 págs, 19,35 euros), uma coletânea de ensaios sobre estas duas, hã, esferas. Convém lembrar que, na Grã-Bretanha, os puristas do futebol chamam à modalidade "football", e não "soccer". Afinal, é o futebol que se joga com os pés, e não o rugby. Adiante.
Já o filósofo e romancista franco-argelino (como Zidane....) Albert Camus (que foi guarda-redes da seleção universitária da Argélia), disse um belo dia que "tudo o que sei sobre moralidade aprendi com o futebol". Num dos ensaios mais divertidos - "The Hand of God and Other Soccer... Miracles?" (A Mão de Deus e outro Futebol... Milagres?) -, Kirk McDerrid cita a lista de São Tomás de Aquino dos elementos cruciais que identificam os "milagres autênticos".
Robert Northcott discute o conceito de angústia de Kierkegaard aplicado à cobrança de penaltis, ao passo que outro ensaísta invoca as estéticas platônica e aristotélica para dissecar o estilo de jogo de Cristiano Ronaldo, e pergunta: "Será CR9 um Picasso contemporâneo?" Ao que ele próprio responde (não vou traduzir, pois, como disse o outro, poesia é aquilo que se perde na tradução): "Maybe so. But could Picasso bend it like Beckham?"
Ao ler ""The Loneliness of the Referee" (A Solidão do Árbitro), um dos melhores ensaios, de Jonathan Crowe, confesso que corei. Afinal, sou daqueles que insultam a genealogia do árbitro remontando até Eva. Se ao menos eles só errassem a nosso favor... Mas não: os sacanas se enganam aleatoriamente! Por outras palavras, o árbitro é a quinta-essência e o arquétipo do bode-expiatório. Eu disse bode? Cabrão!
Crowe também assinala que, na "Critica da Razão Dialética", Jean-Paul Sartre (que, na condição de estrábico, dava um goleiro perfeito, neutralizando qualquer balística) irradiou a sua proverbial sabedoria: "Numa partida de futebol, tudo se complica muito pela presença de uma equipe adversária". Com teóricos assim, alguém se espanta que os franceses já estejam em casa? Bom, eles não podem se queixar muito. A casa deles fica em Paris.
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