Como eu previa, não aqueceu nem arrefeceu (ou, em brasileiro mais cru, não fedeu nem cheirou) A Essência do Mal, o “novo” livro com James Bond, lançado no ano passado. O pai (adoptivo) da criança é Sebastian Faulks, autor de romances históricos “sérios” – o que é irónico, pois as aventuras de 007 sempre foram uma fantasia delirante. Bond nada tem a ver com os contorcionismos éticos, ideológicos e metafísicos dos espiões de Graham Greene, John Le Carré ou Alan Furst (para não mencionar O Agente Secreto, de Conrad).
Há um enclave tipicamente britânico – e culturalista – naquela estirpe, e não só ficcionalmente: os casos de Burgess, Philby, Maclean e Anthony Blunt (este último um dos maiores críticos de arte ingleses, feito cavaleiro do reino pela Rainha), todos na vida real “toupeiras” soviéticas, falam por si. A lealdade era devida mais ao par, ao “igual”, do que à nação. Como disse o escritor E. M. Foster, que não foi espião nem escreveu romances do género, mas comungava daquele credo: “Se tiver de escolher entre trair o meu país e trair o meu amigo, espero ter a coragem de trair o meu país.”
Fleming era farinha de outro saco. O negócio dele era o evasionismo balsâmico, louvado seja Deus. Nada de dilacerações filosóficas. A escolha de Faulks partiu dos herdeiros de Ian Fleming, o papá biológico do agente com licença para matar.
Jornalista da Reuters e oficial da Inteligência Naval britânica, Fleming nunca foi um espião no terreno, mas ajudou a criar a CIA. Em 1952, decidiu escrever “um thriller para acabar com todos os thrillers”. O nome do herói brotou de uma obra então famosa (ah, a fugacidade das coisas!), O Guia Definitivo dos Pássaros das Índias Ocidentais, de autoria de um agora obscuro, ou eclipsado, James Bond. Já o termo 007 deriva de um conto de Rudyard Kipling.
A fórmula? Vilões mefistofélicos, carros vertiginosos e fálicos, paisagens exóticas e boazonas mazinhas – tudo no pano de fundo, hoje gagá, da Guerra Fria a ferver. Parece trivial, mas contém a alquimia dos mitos.
No cinema, 007 teve vários cabides, mas o seu habitat natural foi um ex-camionista escocês - Sean Connery (acaba de fazer 80 anos) -, que calcificou a alma do agente: taciturno, brutal, sardónico e frio. E mulherengo 25 horas por dia – mas nunca misógino! Como todo o mito, a série gerou uma iconografia: a receita de Martini, o Aston Martin (e epígonos), as Bond Girls (de Ursula Andress – a sair do mar em Doutor No como a Vénus de Boticelli – a Kim Basinger). Um dos charmes da coisa está no erotismo requintado e oblíquo (em vez de boçal).
Em Moonraker, uma nave espacial se prepara para reeingressar na atmosfera da Terra. Quando a imagem via satélite aparece numa tela gigante ao Ministro britânico da Defesa, 007 está a bordo a ofegar e arquejar por cima da Bond-Girl, ambos nus. O ministro resmunga: “Cruzes, que raio ele está a fazer?” O chefe de Bond, “M”, suspira: “Creio que está a tentar reentrar, Sir”. Fleming escreveu as obras na sua casa na Jamaica, denonimada “Goldeneye”. Não me admirava que algumas frases fossem surripiadas ao vizinho, o epigramático Noel Coward.
Os dois eram amigos e assistiram juntos em Londres ao desfile de estadistas na coroação de Isabel II. De súbito, passou majestosamente a carruagem com a rainha do Togo, que diziam ser canibal. Ao lado da monarca, ia um pigmeu rechonchudo. Fleming intrigou-se: “Quem será aquele?” Coward não teve dúvidas: “Ah, deve ser o lanchinho dela!”
Fleming morreu em 1964, de ataque cardíaco, com apenas 54 anos. Acabara de alinhavar Só Se Vive Duas Vezes. Um título equivocado. Pois ele descobrira, se não a eternidade, algo que anda lá perto. Aposto que, quando chegou à porta do Céu, São Pedro pediu-lhe a senha. Canja: “Bond, James Bond”. A casa é sua.
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