Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

TREVAS AO MEIO-DIA

Arthur Koestler y Cynthia

 

 

Não é estranho que o autor de um dos melhores livros (Sleepwalkers, Os Sonâmbulos) de divulgação científica de todos os tempos acreditasse (ou pelo menos admitisse) também em parapsicologia e quejandos? Nem por isso. Afinal, Arthur Koestler, nascido em Budapeste em 1905, acreditou piamente, durante muitos anos, que o Comunismo seria o paraíso na Terra - e não os vários modelos de  Inferno que demonstrou ser. E já Sir Isaac Newton tinha dedicado mais tempo de vida à procura da pedra filosofal e da transmutação de chumbo em ouro segundo a alquimia do que à gravitação universal ou à rarefacção da luz. O escritor Conan Doyle, criador do ultrarracional Sherlock Holmes, acreditava em espíritos, reencarnações e ectoplasmas

Koestler pelo menos  redimiu-se e deixou a melhor obra de ficção contra o totalitarismo, Darkness at Noon (Trevas ao Meio-Dia), inopinadamente traduzido para o francês e o português como O Zero e o Infinito. Sim, melhor que 1984 e Animal Farm (de Orwell) ou O Admirável Mundo Novo (de Aldous Huxley) ou Nós, de Y.I. Zamiatin.

George Steiner, que foi amigo de Koestler, conta que um dia ambos estavam a dar um passeio pelo campo e Koestler desatou a abordar "coincidências estranhas". Não era estranho que o secretário de Lincoln, chamado Kennedy, tivesse implorado ao presidente  que não fosse ao teatro (onde seria assassinado), como, mais tarde, o secretário de Kennedy, chamado Lincoln, tivesse suplicado ao presidente que não fosse a Dallas? O assassino Booth não matou Lincoln num teatro, refugiando-se em seguida num armazém, e Lee Harvey Oswald não abateu Kennedy a partir de um armazém, escondendo-se depois num teatro? E não era verdade que os sucessores de ambos os presidentes chamavam-se Johnson?

Confidencialmente, é estranho. Se eu já não fosse demasiado calejado para conversões, convertia-me a.... bem, sei lá a quê.

Koestler comeu o pão que o diabo amassou: conheceu o exílio, a prisão, a vilificação, o isolamento e a pobreza. Exilado em Paris, assistiu a ocupação da França por Hitler. Nunca foi convidado para uma casa francesa. Escreveu que "um francês seria capaz de abraçá-lo e depois deixá-lo tremendo de frio, na rua." A opinião dele não melhorou quando foi preso pela polícia colaboracionista e recolhido a um campo de concentração.

Muitos anos depois, já tendo adotado a nacionalidade britânica, fez um pacto de suicídio com a sua mulher Cynthia. Quando foi acometido por uma doença incurável que o teria submetido a um suplício servil e inútil, ambos mataram-se na sua recatada casa londrina, no bairro de Knightsbridge, após duas belas chávenas de chá envenenado.

Aliás, Koestler era vice-presidente da "Exit" (Saída), uma sociedade cujo postulado é que saiamos desta vida a tempo, com dignidade, antes de perder as faculdades, sem passar pelo ignóbil trâmite da decadência intelectual e física. O gesto pode ser discutido, mas é difícil não lhe reconhecer a elegância.

A nota de suicídio continha a seguinte passagem: "Desejo que os meus amigos saibam que deixo a sua companhia num estado de espírito sereno, acompanhado por algumas esperanças tímidas numa sobrevivência posterior para lá dos confins do espaço, do tempo e da matéria, e para além dos limites que podemos compreender. Este 'sentimento oceânico' serviu-me muitas vezes de apoio em momentos difíceis e apoio-me nele uma vez mais, enquanto escrevo estas palavras".

Nada a acrescentar.

publicado por otransatlantico às 19:08
link do post | comentar | favorito
1 comentário:
De helena marques a 15 de Setembro de 2010 às 20:21
Extraordin´ario. E mesmo em tom leve bem senti na sua escrita uma emoç~ao contida.

Admiro muito Koestler, quando começou o Ver~ao emprestei «O Zero e o Infinito'', detesto emprestar livros, mas tenho este vale a pena.

S~ao estas coincid^encias que ficaram conhecidas por sincronocidades junguianas, adoro-as, e t^em o cond~ao de acontecer mais na ´epoca que vai entrar, do Outono, e Primavera. E quem sou eu para ser a c´eptica do assunto?!

Comentar post

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Setembro 2011

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
30

.posts recentes

. ...

. E AGORA, COM VOCÊS, HITLE...

. “CONSIDEREI ESCREVER UM R...

. CLARO QUE ELE ADORA PITBU...

. PASSAGEM PARA A ÍNDIA

. O MESTRE MAGISTRAL

. MACACO É A SUA AVÓ!

. A MENSAGEM NUMA GARRAFA

. ALTA COSTURA E ALTA CULTU...

. AGENTE FINO É OUTRA COISA

. TREVAS AO MEIO-DIA

. ALICE NO PAÍS DAS MARAVIL...

. O TABACO SALVA!

. PINTAR O INSTANTE

. LEVANTADO DO CHÃO

. VAN GOGH PINTAVA O CANECO

. FAMA E INFÂMIA

. CASAIS DE ESCRITORES: PAL...

. O DONO DA VOZ

. LIVROS? DEUS ME LIVRE! 1 ...

. CHURCHILL E OS CHARUTOS

. O IMPACIENTE INGLÊS

. ENTREVISTA JAVIER CERCAS

. OSLO QUEBRA O GELO

. O APOLO DIONISÍACO

. O PAI DO SNOOPY

. O CACHIMBO PENSANTE

. ÇA VA?

. TRÊS ALEGRES TIGRES

. O ARCANJO OBSCENO

. RESORT 1 ESTRELA (NO PEIT...

. JACQUES, LE FATALISTE

. HITLER, MEU AMORZINHO

. O ETERNO RETORNO DO ETERN...

. ENTREVISTA: ALI SMITH

. O BARDO DO FARDO E O TROV...

. A MÚSICA DAS ESFERAS IV

. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA D...

. SEXO E OUTRAS COISAS EMBA...

. ALI E ALÁ

. VIVA LA MUERTE?

. O BELO MALDITO

. REPERCUSSÃO DESTE BLOG!

. DEBAIXO DO VULCÃO

. PUSHKIN, O EMBAIXADOR E E...

. A ÚLTIMA CEIA DO MODERNIS...

. MAILER, VIDAL, CAVETT

. O REI DESTA SELVA VAI NU

. QUEM TEM K SEMPRE ESCAPA

. ENTREVISTA UMBERTO ECO

.arquivos

. Setembro 2011

. Abril 2011

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

.tags

. todas as tags

.links

.subscrever feeds