Acaba de ser lançada em Portugal a Obra Completa de Charles Schulz, nuns volumes bem convidativos, prefaciados por grandes escritores e jornalistas americanos (e Matt Groening, o criador dos Simpsons). E saiu nos EUA a biografia definitiva do homem. A vida de Schulz (que morreu em 2000) parece um sonho americano – mas, como todo a vida humana, contém as suas insônias e os seus pesadelos.
Foi mais com estes do que com aquele que o filho de um barbeiro do Minnesota se tornou o cartoonista mais rico de todos os tempos: as suas tiras povoaram 2600 jornais de 75 países, em 21 línguas. Autodidata, aprendeu o ofício por correspondência. “Peanuts” (um nome que detestava e lhe foi impingido pelo sindicato dos desenhadores) despontou em 1950. O estilo das vinhetas, minimalista e de uma ousadia sutil, irritou os seus pares. Numa entrega de prêmios, anos mais tarde, Schulz saiu de mãos a abanar e bramiu: “Fui tratado como um bastardo”.
Hoje, é encarado como o primeiro autor de BD (histórias em quadrinhos) a equipar com miolos as personagens – não é por acaso que Charlie Brown, Lucy, Linus e Schroeder têm a cabeça descomunal. O próprio cão Snoopy está para o Pluto, de Disney, como Einstein estaria para nós outros.
Multimilionário, Schulz continuou – hã – neurótico pra cachorro. E ainda bem, pois foi daí que moldou a sua tribo. Charlie Brown, sempre esperançoso e sempre rejeitado, uma criatura estóica e decente num mundo hostil ou indiferente. Lucy, a sardônica nêmesis de Charlie. O filosófico e introspectivo Linus. O pianista Schroeder, retrato do artista autista. E Snoopy, o cão com uma luxuriante vida imaginária, protótipo do talento nunca devidamente apreciado.
Como Gulliver (de Swift) e Alice (de Lewis Carroll), não são protagonistas infantis. Afinal, em “Peanuts” o amor não é retribuído, os jogos de basebol acabam sempre em derrota e, no Dia das Bruxas, a Grande Abóbora jamais aparece (como Godot). Nascidas na transição dos catatônicos anos 50 para a psicadélica década de 60, as personagens de Schulz tentam se virar na vida quotidiana com o seu fardo de angústias perplexas, sem nunca de fato as resolver.
O que não impediu meninos e meninas de adorarem aqueles baixinhos cabeçudos. Ora, como já Freud indicava, “a criança é o pai do homem”. E da mãe também. Pois, para além do mito da infância seráfica e do verniz civilizado dos adultos, somos todos uns filhos da mãe. Como Lucy resmungaria, Charlie Brown discordaria e Snoopy latiria, antes de empoleirar no telhado da sua casota, e (depois de abater provisoriamente o temível Barão Vermelho) iniciar pela milésima vez o seu romance autobiográfico. “Era uma noite escura e tempestuosa…”
(Crónica publicada na REVISTA DE DOMINGO, do Correio da Manhã)
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