Roubaram a inscrição de Auschwitz, “O Trabalho Liberta”, o maior humor negro de sempre. Sei quem NÃO foi o ladrão: o presidente do Irão, para quem o Holocausto nunca existiu (é uma pena, mas ele corrigirá a incúria riscando Israel do mapa, com uma borracha, com cuspo ou empoleirado numa bomba, como o doutor Strangelove).
Tinha uns dias livres-pensadores e pensei: visito o Danúbio Azul ou ouço Mozart em Salzburg (o único lugar do mundo em que Mozart é kitsch). Visitei Auschwitz. Morbidez? Niilismo? Necrofilia? Não. Eis a sua lição: o horror que podemos infligir aos outros nunca terá limites. O que me dá calafrios, na verdade, é – com tal currículo - o nosso próximo horror. Parti de Cracóvia. Os Polacos não são nenhuns santos nessa história. Lech Walesa, a perder a Presidência, chamou ao rival “judeu”, como uma pronúncia excrementícia. Depois tergiversou com um sorriso amarelo: “Quem me dera ser judeu, pois teria mais dinheiro!” E pensar que fui demitido por um jornal de esquerda por defender o Solidarność, na época “evidentemente” um lacaio do imperialismo….
Há um autocarro chique mas não há placas a dizer Auschwitz. Transpomos um prédio com um snack-bar (lanchonete), um quiosque de fotos e uma bilheteira. Aí marcavam os prisioneiros com os números ignóbeis e indeléveis, rapavam-lhes o cabelo e a humanidade, e os oficiais escolhiam as escravas sexuais judias. Interroguei-me por que razão há um pavilhão destinado às vítimas de cada nacionalidade – mas os judeus não aparecem mencionados em lado nenhum. Pergunto a um guarda, com ar afável. Ele aponta o pavilhão 37, trancado com uma corrente. Lá dentro apodrece o espólio torpe dos judeus: os cabelos, as pernas de pau dos veteranos que lutaram e sucumbiram pela Polónia na I Guerra Mundial, os sapatos desirmanados das crianças (que nunca ficaram apertados), os poucos dentes de ouro dos poucos que podiam pagar dentes auríferos (não, não eram piratas do Caribe).
O autocarro segue, mas não pára em Auschwitz III. Lá, foram escravos, entre outros, Primo Levi e Elie Wiesel. Saio e vou a pé. Chega-se a um portão novo, com arame farpado e guardas a sério com metralhadoras, hospitaleiros como Cérberos. O campo estava a bombear fuligem para o céu! Nunca foi fechado. I.G. Farben, a fábrica de produtos químicos que controlava o “trabalho” em Auschwitz, permaneceu a operar, alegando que tinha de pagar indenizações aos antigos escravos. OK, em termos de humor negro, empatou com a placa da entrada. Em 2004, prestes a ser obrigada a fazê-lo, abriu falência – mas não sem antes tirar da cartola a Agfa, a BASF, a Bayer e a Hoechst.
Vou-me embora com as unhas quase a cortarem as palmas lívidas das mãos. Pergunto-me: seria eu capaz de limpar as câmaras de gás para me deixarem viver mais um mês? De encher os fornos?
(CRONICA PUBLICADA NA REVISTA DE DOMINGO DO CORREIO DA MANHÃ)
. ...
. E AGORA, COM VOCÊS, HITLE...
. “CONSIDEREI ESCREVER UM R...
. CLARO QUE ELE ADORA PITBU...
. ALTA COSTURA E ALTA CULTU...
. ALICE NO PAÍS DAS MARAVIL...
. CASAIS DE ESCRITORES: PAL...
. LIVROS? DEUS ME LIVRE! 1 ...
. ÇA VA?
. RESORT 1 ESTRELA (NO PEIT...
. O ETERNO RETORNO DO ETERN...
. O BARDO DO FARDO E O TROV...
. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA D...
. SEXO E OUTRAS COISAS EMBA...
. PUSHKIN, O EMBAIXADOR E E...
. A ÚLTIMA CEIA DO MODERNIS...
. Blogues de Estimação
. O Jardim Assombrado
. O Albergue Espanhol
. O Bibliotecário de Babel
. Ricardo D Ilustrações
. The Elegant Variation
. The Book Bench
. Think Tank
. Horas Extraordinárias
. Goings On
. Ler
. somsencompletelydifferent
. Delito de Opinião
. therestisnoise
. /papeles-perdidos
. No Vazio da Onda
. O Perplexo
. Ciberescritas
. Porta-Livros
. Papeles Perdidos