Quarta-feira imperiosa: Leonard Cohen canta em Lisboa. Há um entrevista dele fresquinha no YouTube (1º vídeo): um ancião alquebrado, mas sábio e estóico. Surpresas para o concerto? “Burro velho não aprende línguas”, diz o cético ditado luso. Cohen dedicou-se à música trintão, já consagrado como autor de excelentes romances e poesia (entrou na memorável antologia “Rosa do Mundo”, da editora Assírio, que começa com Homero). Como poeta, lembra Lorca (2º vídeo). Na minha modesta opinião de sumidade no assunto, o maior lírico pop, incluindo Dylan. Um típico literato judeu de Montreal, como Saul Bellow.
Mas não vendia o suficiente (onde é que já vi isso antes?) e socorreu-se nas canções. Recorda o percurso de Vinicius de Moraes, do Parnaso para a cultura de massas. Um emblema de Cohen é o lirismo amargo e pungente, por vezes depressivo, mas nunca piegas. Outro é o universalismo – talvez por ter vivido na ilha de Hydra, na Grécia, com a sua então mulher Marianne (sim, da obra-prima “Marianne”). E o terceiro, as mulheres propriamente ditas.
No YouTube: “Não é possível prever o amor, pois o coração está sempre a abrir e a fechar-se. Depois de um certo período de tempo, os fracassos serão significativos. A arena do amor é perigosa, mas ninguém vive sem ele. Podemos nos abster por covardia, julgando que será sempre um inferno – mas também nesse caso podemos estar redondamente enganados”.
Os jovens com miolos e alma reverenciam-no – magistral a versão de Madeleine Peyroux de “Dance me To the End of Love” (3º vídeo).
Em 1991, os R.E.M., Echo & the Bunnymen e Nick Cave, entre outros, gravaram o tributo “I’m Your Fan”.
Aos 75 anos, Cohen cita Tenesse Williams: “A vida é uma peça até que bem encenada, exceto pelo terceiro acto”. Sim, morremos no fim. Mas, como ele realça, “o problema não é tanto a morte, mas as suas preliminares”. Mais explicitamente ainda, no seu humor sarcástico: “Agora dói-me tanto nos lugares onde outrora costumava ter tanto prazer…”
(CRONICA PUBLICADA NA Revista de Domingo, do Correio da Manhã)
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