Domingo, 1 de Agosto de 2010

OSLO QUEBRA O GELO

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Gardemoen – o aeroporto internacional de Oslo – começa logo por quebrar o gelo: é um dos mais modernos e bonitos do mundo, e prenuncia que vale a pena visitar a capital da Noruega mesmo no glacial Inverno nórdico. Já nas manobras para a aterragem, descortinamos as encantadoras florestas que rodeiam Oslo, com as copas das árvores polvilhadas de neve, como uma extensa vitrine de algodão-doce.

A Noruega esteve por longos anos integrada quer à Suécia quer à Dinamarca – a independência veio só em 1905. Hoje é uma monarquia constitucional. Ou seja, a Família Real, apesar de estimada e respeitada, tem um papel apenas decorativo (o que não deve ser difícil, já que são sempre loiros, altos e de olhos azuis). Oslo foi fundada pelos Vikings e mudou de nome várias vezes: em 1925 fixou-se no atual.

Os Noruegueses em geral, e os da capital em particular, são de uma hospitalidade irrepreensível. Toda a gente fala um Inglês oxfordiano – excepto os hooligans ingleses, quando lá vão demolir a cidade por causa de um jogo de futebol e umas panças de cerveja. Porém, como os locais são descendentes dos Vikings, aqueles vândalos levam o troco. Aliás, embora tratem a bola como se ela fosse quadrada (deve ser por isso que a letra O deles é cortada ao meio), os Noruegueses adoram o futebol: há 1800 clubes no país. Sempre que revelei a minha origem, ouvia as palavras mágicas, num tom embevecido: “Cristiano Ronaldo!”

Mas o desporto predileto é o esqui, que eles inventaram. Até hoje, qualquer cidadão tem o direito de esquiar através da propriedade alheia, desde que não esteja cultivada. Há na região de Oslo uma área chamada Marka, que abrange nada menos que 2000 km de trilhos largos de esqui – também há trilhos estreitos para quem prefere esquiar sozinho. Confesso que experimentei, mas ia partindo uma perna – felizmente, era a de outra pessoa (talvez por isso toda gente ao pé de mim preferisse os trilhos estreitos).

 

 

Oslo-Museum Vikingships

 

A Noruega é um dos maiores países da Europa, mas tem só 4,5 milhões de habitantes, 500 mil dos quais na capital. São leitores ávidos: em média, cada lar compra 1,7 jornais por dia. Com uma população tão reduzida, já embolsaram três Nobel de Literatura. O mais famoso escritor norueguês, Henrik Ibsen, não foi a tempo de ganhar o prémio, mas revolucionou a dramaturgia mundial e uma peça dele (O Inimigo do Povo), inaugurou em 1899 o imponente Teatro Nacional.

O Teatro Nacional fica na Karl Johans Gate, a principal e mais badalada artéria de Oslo, percorrida diariamente por 100 mil pessoas. Nela situam-se também o Palácio Real, o Parlamento e a Universidade. Ao pé estão a Galeria Nacional e o Museu Histórico – e armazéns, restaurantes, lojas, cafés e ringues de patinagem. Mesmo no Inverno gélido, a vida nocturna ali fervilha (o que não quer dizer que sejam os maiores boemios do mundo: afinal, antes das quatro da tarde já é noite).

A Galeria Nacional é obrigatória. É lá que pontifica O Grito, de Edvard Munch, apelidado de “a Monalisa do século XX”. Depois da II Guerra, o quadro – precursor do Expressionismo – tornou-se um ícone pop e um dos mais reproduzidos da História, não apenas em cartazes como também em canecas, canetas e porta-chaves. Em 1961, foi capa da revista Time, numa edição dedicada aos complexos de culpa e ansiedade. Nos anos 80, Andy Warhol realizou uma série de trabalhos inspirados em Munch, que incluem uma “reinterpretação” d’ O Grito. Em 1991, o muralista Robert Fishbone criou uma versão boneco insuflável, que vendeu milhares de cópias em todo o planeta. No filme de terror O Grito, um assassino psicopata esconde a sua identidade sob uma máscara da criatura andrógina concebida por Munch. Para desopilar, o quadro apareceu duas vezes n’ Os Simpsons. Em 2006, o Google celebrou o seu aniversário alterando momentaneamente o seu logótipo para citar O Grito.

 

 

 

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Em 12 de Fevereiro de 1994, a tela foi roubada da Galeria Nacional em pleno dia. Os ladrões deixaram uma mensagem irónica: “Obrigado pela falta de segurança” – e exigiram um resgate de 1 milhão de dólares. A obra foi recuperada com a ajuda da Scotland Yard. Em 22 de Agosto de 2004, O Grito foi de novo levado por ladrões (na Noruega não existe o ditado “casa roubada, trancas à porta). E de novo recuperado, mas com danos que os críticos consideram irreparáveis (é o costume: os críticos estão sempre a criticar – a mim O Grito pareceu-me bem, isto é, pavoroso). É significativo que o quadro emblemático do Renascimento seja uma beldade com um sorriso açucarado – ao passo que a tela representativa da contemporaneidade mostre alguém a berrar com aquilo que parece a maior enxaqueca de sempre.

Também nas imediações da Karl Johans perfila-se a Câmara Municipal, inaugurada em 1950 para comemorar os 900 anos da cidade. O projecto que ganhou o concurso público, dos arquitectos Arneberg e Poulsson, é um ousado marco modernista – tão audaz que levou muito tempo até que os munícipes o engolissem sem uma careta. A sala principal ocupa uma área de 1,5 quilómetros quadrados, e contém a maior pintura a óleo da Europa, de Henrik Sorensen. É lá que, no mês de Dezembro, ocorre a entrega do Prémio Nobel da Paz.

Distantes do centro, duas atrações imperdíveis. Uma é o Museu dos Barcos Vikings, em Bigdoy. As embarcações expostas foram usadas para transportar os corpos dos chefes supremos na sua última viagem ao reino dos mortos. Os chefes naturalmente não voltaram, mas os barcos sim, quase tão obedientes como bumerangues. E ainda bem: são de uma graciosidade requintada que refuta o estereótipo dos vikings como uns trogloditas glutões. A outra atração é o prodigioso Vigelandsparken, visitado anualmente por 2 milhões de pessoas. O maior parque de Oslo recebeu o nome do escultor Gustav Vigeland, cujas 212 esculturas povoam o eixo central e representam toda a Humanidade. Só o Monolito, de 17 metros de altura, é composto de 121 figuras humanas interligadas. Mas a escultura mais célebre do ciclópico conjunto é A Criança Zangada, a representação mais aterrorizante de uma birra infantil (com a possível exceção das do meu filho).

 

 

 

Northern Lights (Aurora Borealis) in Tromso

 

Quem tiver mais algum tempinho, sugiro um salto a Tromso, a “Paris do Norte”, a 1 hora e meia de voo de Oslo. Já no Círculo Polar Ártico, tem (sem falar no Museu do Pólo) uma das mais fascinantes catedrais modernistas e, sobre ela, com um pouco de sorte você verá um milagre: a Aurora Boreal, esse caleidoscópio celeste.

A Noruega também é famosa pelos seus fiordes, majestosas formações geológicas que são como enseadas longas e estreitas, serpenteando e embrenhando-se pelas montanhas. A capital possui o seu: o Oslofjorden, com uma zona de recreação estival apinhada de barcos. A comida típica norueguesa inclui o nosso familiar bacalhau, salmão, arenque e os ecologicamente blasfemos bifes de rena e baleia. Dos cetáceos me abstive (disseram-me que sabem a fígado, o que para mim foi mais do que o suficiente). Mas – minha culpa, minha máxima culpa – confesso que saboreei um avantajado naco de rena. E repeti. Sim, sim, já sei: este ano o Pai Natal não vai me dar nem um alfinete.

 

(TEXTO PUBLICADO NA REVISTA "ÚNICA", do SEMANÁRIO "EXPRESSO")

publicado por otransatlantico às 11:33
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